Ser do outro, para o outro e no outro…
Um dia, chegou um amigo meu aqui em casa que não sabia o número do meu apartamento. Se identificou na portaria assim:
- Eu vou para o apartamento do Augusto.
- Augusto… Augusto… não conheço nenhum morador chamado Augusto não, disse com voz roufenha o forte segurança.
- Augusto, ele toca violão, tem uma perna mais curta que a outra, usa muletas, casado com a Aline… emendou sem paciência meu amigo.
- Ah, o marido da “doutora” Aline! Claro! Vou interfonar, só um minutinho…
- Eu vou para o apartamento do Augusto.
- Augusto… Augusto… não conheço nenhum morador chamado Augusto não, disse com voz roufenha o forte segurança.
- Augusto, ele toca violão, tem uma perna mais curta que a outra, usa muletas, casado com a Aline… emendou sem paciência meu amigo.
- Ah, o marido da “doutora” Aline! Claro! Vou interfonar, só um minutinho…
Como é bom saber que sou o Augusto da Aline! Como é bom você ser de alguém. Não como propriedade mas como identidade. Não só de alguém mas de alguma coisa que te identifica de forma especial no mundo. Vejo alunos indo para o colégio no ônibus , de manha cedo, com a camisa do time de futebol por baixo do uniforme da escola. O seu time jogou na noite anterior e pode até ter perdido. Mas eles não perderam a alegria e orgulho de se identificar com seus clubes. Um dia, um pai me disse que o filho vinha para as minhas aulas carregando o violão como se fosse seu estandarte, como se dissesse para o mundo: eu sei tocar! Eu sou diferente! Tenho algo de especial que me identifica!
O amor segue o caminho inverso das leis do mercado. Aqui não se colhe onde não se planta. Não se tira números premiados, enriquecendo-se sem investir. O amor se sujeita às leis da natureza. Vive de frios invernos, onde se tem a impressão de jamais virá a primavera. A primavera virá (apenas para os perseverantes) mas será sempre surpreendente. Porque amor que é amor, surpreende sempre. A começar pela tarefa imposta de perder para ganhar (ah, esta lei do amor…). Dar sem esperar receber.
Eu quero ser o Augusto da Aline, filho do Julio e da Vera. O irmão da Andrea e cunhado da Juliana. Tio da Beatriz. Mas quero também ser o tio Guto de tantos outros que não conheço pessoalmente, apenas virtualmente, nem por isso numa relação menos real. Quero ser para sempre o professor dos meus alunos, meus maiores mestres. O músico da banda DOM. E se um dia não for mais, se um dia não estiver mais em nenhum palco ou sala de aula. Se algum dia eu ficar mais discreto, longe de todo holofote e todo aplauso. Continuarei minha busca. Quero ser menos eu e mais o outro. Porque no fim das contas, eu sou “eu” só para mim. Para o resto do mundo eu sou “o outro”. Nós somos “nós” apenas para a gente mesmo. Pro resto do mundo: nós somos “o outro”. E nisto parece que mora o mistério do Amor: ser do outro, para o outro, no outro.
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